segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

A NEVE E A POBREZA, ESPECIALMENTE INFANTIL

Agora, que boa parte do País se cobriu de neve, publicamos um poema da autoria de Augusto Gil sobre a sua beleza, mas também sobre a tristeza e amargura que causa aos pobres, especialmente as crianças pobres, nas circunstâncias ali mencionadas.
Este poema foi publicado também, recentemente, no blogue ABRUPTO, da autoria de José Pacheco Pereira.

BALADA DA NEVE

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancoliados pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver.

A neve caía do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.

Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traçana brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,primeiro,
bem definidos,depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
uma funda turbaçãoentra em mim,
fica em mim presa.
Cai neve na Natureza– e cai no meu coração.

(Augusto Gil)

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