domingo, 6 de junho de 2010

FALECEU SALDANHA SANCHES

No passado dia 14 de Maio, faleceu José Luis Saldanha Sanches, ex-militante do PCP, ex-maoista convertido à democracia liberal, destacado fiscalista e professor universitário, acérrimo e intransigente defensor da liberdade.
Nunca o conheci pessoalmente, mas militámos no mesmo partido, o MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado), que Sanches abandonou ainda em 1975, tinha eu apenas 16 anos. Para todos nós, José Luis Saldanha Sanches, Homem dotado de raras inteligência, eloquência e coragem física e psicológica, era um exemplo. Quando ocorreu o 25 de Abril, tinha 30 anos de idade e somava 7 anos de prisão nas masmorras da ditadura.
Bem jovem, no início dos anos 60 do século passado, Saldanha Sanches aderiu ao PCP, tendo sido seu funcionário e dirigente da Juventude Comunista. Em
1965, já destacado dirigente estudantil, foi cercado pela PIDE, que enfrentou "à batatada", sendo atingido a tiro num ombro. Após hospitalização, seguiu sob prisão para Caxias, tendo posteriormente sido condenado, no Tribunal Plenário da Boa Hora, em 6 anos de prisão. Quando trabalhei naquele Tribunal, fiz muito serviço na chamada sala do plenário. Sempre que ali entrava, bem como em alguns calabouços destinados aos presos políticos daquele tempo, recordava o heroismo com que Saldanha Sanches e tantos outros lutaram pela liberdade e ali enfrentaram uma ditadura reaccionária.
Nessa época, decorria a grande cisão no movimento comunista internacional entre os pró-soviéticos e os seguidores de Mao e Enver Hodxa. Muitos jovens da geração de Saldanha Sanches optaram pelo maoismo. Ele, apesar de crítico de Krutchev, Brejnev & Cª, e de também optar pelo maoismo, decidiu permanecer no partido já então liderado por Álvaro Cunhal. Certamente, as organizações maoistas que então apareceram não o atraíam. Compreendemos. A primeira dessas organizações, o Comité Marxista-Leninista Português/Frente de Acção Popular (CMLP/FAP), saído do PC e liderado por Francisco Martins Rodrigues (o camarada Campos), já falecido, fez uma considerável divulgação dos ideias maoistas. No entanto, tinha uma actuação perfeitamente aventureira. Entre as suas acções conta-se o atirar de um petardo para uma esquadra da PSP que não explodiu ou a colocação de uma bomba por um rapaz de 16 anos, a qual, ao rebentar, lhe arrancou um braço, acabando o mutilado preso pela PIDE. Para cúmulo, o próprio Francisco Martins Rodrigues, após ter abatido a tiro o pide Mário Mateus, infiltrado na organização, acabou na cadeia, onde não aguentou a tortura e delatou muitos camaradas, ajudando, aliás, a polícia política a desmantelar parte considerável da organização.
Os militantes do CMLP/FAP que conseguiram escapar à repressão policial fugiram para França, juntando-se a outros que lá estavam exilados. Aí reorganizam o CMLP, extinguem a FAP, seu braço armado, e mergulham numa grande ortodoxia. Correm com Francisco Martins Rodrigues, a partir daí conhecido por Chico Bufo, dado o seu vergonhoso comportamento na prisão, passando a ser liderados por Heduino Gomes (Vilar), hoje adepto de... Salazar. Como lhe disse num debate, há mais de 20 anos, o próprio Saldanha Sanches, o maoismo de Heduino "era muito chato".
Organizações saídas do CMLP em cisão com o então apelidado grupo vilarista primavam pelo aventureirismo e suscitavam a hilariedade.
Em 1970 era fundado o MRPP, liderado desde a primeira hora por Arnaldo Matos, o "camarada João". Um ano depois, Sanches sai da cadeia e adere a este movimento.
Em 1968, na sequência da invasão da Checoslováquia e do Maio de 1968 francês, abandona definitivamente o PCP pela esquerda, como fizeram António Barreto, Medeiros Ferreira, Silva Marques, Carlos Antunes, Isabel do Carmo, João Machado, Fernando Rosas ou Vidaul Ferreira. Os três últimos, com Arnaldo Matos, constituem o núcleo fundador do MRPP. Arnaldo Matos nunca pertenceu ao PCP.
Saldanha Sanches, como brilhante líder e orador, facilmente sobe na hierarquia do MRPP, chegando ao seu Comité Central. Quando Ribeiro Santos foi assassinado pela PIDE em 1972, estava a seu lado.
Aquando do 25 de abril, estava novamente preso. Após a Revolução, foi o primeiro "MR" a dar a cara pelo partido, pois era o único dirigente conhecido pela opinião pública, dado ser director do órgão central do movimento, o "Luta Popular", o que levou alguma imprensa, em grande parte pela situação de semi-clandestinidade em que o MRPP teimava em continuar, a considerá-lo seu líder, o que, de facto, nunca foi verdade.
Em Junho de 1974, contestando o projecto neo-colonial do então Presidente da República António Spínola, escreve no "Luta Popular" um editorial cujo título diz tudo: "Desertemos e com armas". Por tal motivo, esteve preso durante 4 meses no Forte de Elvas. Foi o primeiro preso político de esquerda após o 25 de Abril.
No Outono de 1975, desilude-se com o MRPP, que abandona. De seguida, publica o livro intitulado "O MRPP como instrumento da contra-revolução". Aí diz que Arnaldo Matos, "como todos os pequenos bonapartes, sente-se bem entre palhaços que rivalizam entre si no elogio fácil e barato ao chefe. Por esses palhaços o chefe sente o maior dos desprezos". Mostra a desorganização do partido, cujo dinheiro "era um saco sem fundo onde todos metiam a mão sem prestar contas". Denuncia os lambe-botas, que outro nome não mereciam, que constituiam a maioria do Comité Central. Mais: revela que o seu sucessor à frente do "Luta Popular", Fernando Rosas, hoje destacada figura do BE, foi delator e fez várias denúncias à PIDE, primeiro no PC e depois, no MRPP. Quem conheceu este partido sabe que tudo isto era verdade e Arnaldo Matos não passava de um charlatão.
Durante alguns anos ainda passou pelo PCP(R)/UDP, que o desiludiu. A experiência mostrou-lhe, como a muitos de nós, que o mal estava no marxismo-leninismo, ideologia totalitária e concentracionária, igual ao nazismo e pior que os fascismos, tendo feito a sua conversão, como a maioria dos esquerdistas, dirigentes ou militantes de base nos anos 60 e 70, à democracia parlamentar. Em 1984, com antigos esquerdistas como Pacheco Pereira, Vilaverde Cabral, João Carlos Espada, António Costa Pinto, José Lamego, Acácio Gomes, Acácio Barreiros, Teresa de Sousa e tantos outros, ajuda a criar o Clube da Esquerda Liberal e a sua revista, "Risco", dirigida por Espada, numa demonstração de que pode ser-se de esquerda, defender o mercado, o mérito pessoal e, numa palavra, o capitalismo, desde que regulado pelo Estado de Direito Democrático, e com consciência social.
Mais tarde, teve um "flirt" com o BE, que abandonaria. Faleceu como defensor intransigente da liberdade, a democracia e os direitos humanos, denunciando os totalitarismos de direita e de esquerda. Como fiscalista e colaborador da imprensa denunciou a corrupção política, a nível central e local.
A tua voz, sempre em defesa da justiça, da liberdade e da democracia, deixa falta, Saldanha Sanches. A tua morte, como a morte de qualquer ex-camarada, significa a morte de um pedaço de todos os que serviram o PCTP/MRPP honestamente e não pactuam com a palhaçada em que há muito se tornou tal organização, a qual, como disse há uns anos Durão Barroso, é constituida por gente anormal.
Honra ao camarada Saldanha Sanches !

PS: Este blogue não tem um carácter essencialmente político, mas eu não podia calar o que sinto perante a morte de um Homem vertical como José Luis Saldanha Sanches, especialmente quando vivemos num tempo em que invertebrados da pior espécie brilham, sendo a outra face do insucesso do nosso país.

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